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Sobre estar no mar e ainda querer o mar

Um texto-metáfora para os marinheiros que, como eu, precisam apenas perceber que já estão navegando


Foto: Luís Tajes


Foi uma conversa breve pelo WhatsApp. Nem sequer sei o nome da pessoa ali do outro lado. Era apenas para resolver a entrega atrasada de um presente. Lá pelas tantas, já na despedida do papo e depois de trocarmos impressões sobre esses tempos tão difíceis para empreendedores, ela mandou: “Mar calmo não faz bom marinheiro”.


Guardei.


Talvez pela imagem sempre presente em meus pensamentos e meditações: boiar num mar calmo. Esta é a sensação que mais me alivia e me aproxima da leveza que persigo.


Mar calmo é onde eu gosto de estar. É a imagem da minha tranquilidade. Tem movimento, beleza, aquele barulhinho de fundo, uma areia para assentar o pé bem pertinho e uma imensidão que me recoloca em meu lugar. Sou pequenina; todos somos – diante dos mistérios da vida e da magnitude da natureza. E jamais devemos esquecer nosso real tamanho no planeta.


A primeira frase que escrevi como apresentação em redes sociais, lá no tempo longínquo, é um presente de Jorge de Lima: “Há sempre um copo de mar para um homem navegar”. Aonde quer que eu vá, levo meu copinho imaginário. Um papel solto na mão vira um barquinho. E lá vou eu - mesmo sem ir.


“Mar calmo não faz bom marinheiro”. Será? Talvez sim. Desafios são ondas. E, nesta temporada de Covid-19, o mar é revolto como nunca foi. A meta é não naufragar, nem morrer na praia. Saber segurar o leme. Havemos de ser bons o suficiente para atracar intactos ou com menos avarias possível.


Mas é certo também que sempre gostei de pensar ao avesso, começar pelo inverso. Creio que “marinheiro calmo faz um bom mar”. A principal questão hoje é: como manter a calma para essa travessia difícil? Quando aqui dentro de mim tem um redemoinho, que começa na cabeça e termina no estômago, eu sei o que preciso fazer. Normalmente, vou tomar um banho, respiro fundo debaixo do chuveiro, deixo sair um maremoto de lágrimas e volto para o prumo.


Navegar na vida é sair e voltar para a rota, quantas vezes for necessário. No fim das contas, não é do mar que falamos. É de nós. Nesta semana, assisti com meu filho à animação Soul. Em um momento particular, a cantora conta uma história ao protagonista: “Tem uma história sobre um peixe. Esse peixe foi até um ancião e disse: ‘Tô procurando um negócio. Um tal oceano’. O oceano? O ancião falou. ‘Você está no oceano’. Isso? (indagou o peixinho). ‘Isso aqui é água. O que eu quero é o oceano."


Às vezes, é difícil perceber o lugar onde estamos. Queremos o alto, o topo, o grandioso, sem nos darmos conta que muitas vezes já estamos nele. Certa vez, no meu processo de coaching, ouvi: “Pare de procurar; perceba a grandeza que já existe”.


Quando eu imagino o meu lugar de escrita, ele é o livro não escrito - ou talvez um saldo positivo na conta bancária conquistado com as palavras. Não era esse o meu propósito para os meus 50 anos? “Encontrar um caminho profissional na escrita” foi o que disse a mim mesma que faria, o que escrevi e reescrevi em agendas, diários, papéis. Confesso que me desapeguei um pouco dessa obrigação. Ficou pesado.


Na verdade, ainda é uma meta, mas só se eu puder conquistá-la com a leveza de boiar num mar calmo. É de profunda indelicadeza com o meu esforço de manter essas linhas aqui no blog fazer tantas exigências. É como estar no mar e ainda querê-lo. Escrever basta. Porque escrever salva.


É preciso entender, no fim das contas, que sou o meu próprio barco, ainda que ele pareça estar à deriva. Sou o oceano pelo qual navego. A âncora pronta. A vela ao sabor do vento. O cheiro do mar. A bússola que me orienta. O destino que me aguarda. Sou, portanto.


Tem uma música que amo ouvir (Duas da tarde - Silva) que diz assim: “...Vou ali me desagregar/Pra onda azul juntar/Somente o que for bom/O resto vai passar. No mergulho eu falei com Deus/Quando eu sair do mar/Vou me lembrar do dom/Que é poder respirar...”


Desagregar-se. Olhar com carinho para cada pedaço de nós e escolher o que fica, o que vai. Ainda estou naquele treino crossfit intenso para me desapegar de muitas partes. Mas as ondas do viver ajudam demais. Levam até o que você não vê e sempre, sempre trazem o que você precisa. Avante, marinheiros!

 

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