Passando só pra saber...
Antes soltar os impulsos que cortar os pulsos. Um poema que a pandemia me encorajou a soltar
Foto: Luís Tajes
Passando só pra saber
Como vai sua solidão?
Por que ela não conversa com a minha?
Pode ser prosa sem ensaio;
poema sem rima...
Pode ser baixinho; sussurro; zumbido
A minha solidão diria que os dias andam escuros
e as noites... em claro
Como vão suas dores?
Passeiam pelo corpo ou
estancam no peito?
Viram refluxo, gastrite,
angústia represada?
Grito, choro escondido, cara fechada?
Coluna torta, garganta seca,
cabeça latejante?
Ansiolítico ou calmante?
As minhas dores são reais, pandêmicas, sistêmicas...
Mas sabe que elas somem
de vez em quando?
A pausa não é só para alegria; coisa ruim também adormece de cansaço
Como vai sua saudade?
Ela olha pra trás, vira #tbt?
Foto na estante,
maquiagem na gaveta,
pé de sapato que já
não namora outro,
Par de brinco segregado
Roupa que cabe, mas não serve
Saudade do futuro pode?
Não, ainda não passou
Como avisava a âncora pesada no meu peito,
o coração naufragado boiando sozinho no luto, na luta...
A margem tá longe ainda
Não passou
Mas nós estamos passando
por aquilo, por isto,
por nós mesmos
e nem paramos
pra café, pra cafuné
E eu passando só para saber:
Como você está?
E o que tem feito além de acordar e tentar?
Fica assim não
Diria que isso quase basta
Estar vivo quase basta
Ser deserto é também
ser abundância,
até a escassez cansa
Uma hora a gente já acha
que tem muito mesmo tendo pouco,
uma hora nem sente mais vazio,
mesmo estando oco
Como vai seu coração agora?
Amiga, acorda...
Ainda tem ar no pulmão
Tem gente lá fora,
aqui dentro de mim também.
Tem bicho no sofá,
livro pra ler,
palavra pra passear,
grito pra soltar,
tem planta para regar
tem vida pra colher.
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