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Minha pequena noite


Essa pasta está vazia, me diz o Word. Sim, eu sei. Há exatos dois anos e oito dias, não rascunhava uma só palavra, título, frase. Tudo se perdia nos caminhos entre a cabeça e o papel – ou qualquer plataforma que o valha. O último post deste blog, criado para narrar a transição do jornalismo de carteira assinada para a vida de empreendedora, chamava-se “Preciso falar sobre o medo”. Era oportuno e ainda é.


De lá para cá, travei, calei, tranquei. Não só. Também perdi, fali, arrumei emprego, fui demitida, arrumei outro emprego, cortei, mudei... Quase entrei numa depressão. Também ensaiei uma estafa e ganhei uma dor no corpo que não passa nunca. Uma dor que anda, pelas costas, subindo o ombro, pesando nos tornozelos, latejando na cabeça, atacando o estômago... Uma dor que também fala. Muitas vezes, ela me dizia e ainda diz: “Para”.


O bom é que uma hora a gente escuta. E o faz por instinto de sobrevivência. Eu respirei fundo e escutei. Há uns três meses, quando a pandemia ameaçava me levar novamente ao fim de um negócio (ainda ameaça!), entre inúmeras negociações financeiras, reuniões emergenciais para pensar em soluções incríveis sem gastar um tostão e o expediente no trabalho que me remunera, tomei uma decisão e marquei uma data (a melhor e a pior coisa que você pode fazer por você). Sabe o peso que é colocar na agenda?


Prometi a mim mesma que, aos 50 anos (falta 1 ano e pouquinho), estarei fazendo profissionalmente o que gosto: escrevendo. Ou, ao menos, gostando do que faço – seja lá o que for. Um compromisso de estar realizada e presente, desperta e consciente, saciada e bem resolvida com qualquer uma das alternativas. Mas a verdade é que estou confiante, ao menos por enquanto, na primeira opção.


Sou um tipo que abusa dos nomes tanto quanto me pego de amor por eles. De tanto ouvir e por ser mais um daqueles letreiros que te convidam a entrar em qualquer porta, a palavra propósito passou a me enjoar. Apesar disso, o que fiz foi exatamente arrumar um para chamar de meu.


Entendo que seja algo maior. Um ponto no horizonte aparentemente tão sedutor que te faz interromper os processos de autossabotagem, vitimização, arrependimentos, julgamentos. Ao mirá-lo, a gente acaba por encontrar caminhos diferentes. Eu buscava leveza quando encontrei meu propósito.


O peso de tudo havia se tornado insuportável – e eu idem, até para mim mesma. Encontrei alguém para me guiar nessa jornada, fiz curso, retomei leituras, segui exemplos e me desfiz deles. Mudar tudo a essa altura da vida não é fácil. Por enquanto, ainda estou na primeira fase: fazendo as pazes comigo mesmo e tentando levar as emoções para o papel.



"Na pequena noite da vida humana,

a louca da casa acende velas”


Por que escrever? Porque digo com segurança que a escrita é a parte de mim mais funda e verdadeira. É visceral e ocupa o lugar do sagrado. Por isso, na maior parte da minha vida, ela surgiu e ressurgiu, se revelou e se escondeu, rodopiou faceira diante dos meus olhos até me deixar tonta. Não, eu não escolhi isso. É assim. É simples, não quer dizer que seja fácil – parafraseando o que ouvi repetidas vezes do Régis (fundador da Sociedade Vipassana de Meditação).


Há uns meses, confidenciei a uma amiga, a Conceição Freitas, escritora que muito admiro, que não conseguia escrever. Ela me perguntou: “Você já leu A louca da casa, de Rosa Montero?”. E emendou: “Depois que ler, vai escrever, tenho certeza”.


Rosa Montero, jornalista e escritora madrilenha, discorre lindamente sobre o processo de escrita nesta obra. Informativa, envolvente e também pessoal, a narrativa dela me emocionou e me fez entender que a lida com as palavras nunca será fácil.


A louca da casa, no caso, é a imaginação. Lá pelas tantas, quando li a frase “na pequena noite da vida humana, a louca da casa acende velas”, levantei para escrever esse texto. Obrigada, Conceição!


Na minha pequena noite, agora eu sinto que há velas acesas. Só pude ver os lampejos porque me movi nessa direção. Não apenas com essa leitura, mas também com o lindo curso chamado Alma - conteúdo on-line para pequenos negócios, que fiz com Ana Holanda (Escrita criativa e afetuosa) e Tiago Belotte (CoolHow); e com a companhia de Mônica Ribeiro (coaching ontológico). Ainda vou falar sobre isso e sobre todas as outras coisas que têm me ajudado a libertar a louca da casa.


Também lembrei do livro Meus desacontecimentos, de Eliane Brum, um dos relatos sobre a escrita que mais me impressionaram e me aproximaram do entendimento do que é ter um corpo de palavras, de como a gente se sente e do quão pode ser libertadora e ao mesmo tempo aprisionante a sensação de depender delas.


Um trecho que, na época, me levou às lágrimas: “Hoje, ao lançar meus anzóis no lago nebuloso do passado, em busca de um mapa cujo único destino sou eu, percebo que escrever me salvou de tantas maneiras e também desta. Desde pequena, eu tenho muita raiva — e quase nenhuma resignação. A reportagem me deu a chance de causar incêndios sem fogo e espernear contra as injustiças do mundo sem ir para a cadeia. Escrevo para não morrer, mas escrevo também para não matar.” Agora me sinto um pouco mais confortável para dividir minhas experiências no caminho do empreendedorismo e, quem sabe, ajudar alguém que passa pelos mesmos processos. Empreender não é abrir um negócio; por vezes, é fechar um. Empreender é dar corpo às ideias que já têm vida dentro de você. É transformar sonho em ação. Tenho aprendido muito nessa jornada. E não fica mais fácil. E também não sei até hoje se gosto.


O food truck Se essa rua fosse minha, criação minha e do meu marido, Luís Tajes, que embalou o início desse blog (olha os posts mais antigos) e todas as lindas esperanças que cultivei ao largar meu emprego de 22 anos, não existe mais. O Gentil – Café, Pausa & Prosa, a cafeteria que abri com minhas irmãs, continua aberto, apesar da pandemia, e resistindo a toda sorte de dificuldades.


Há um vento que agora sopra; a chuva anuncia o verde; o vírus segue à espreita e a vida pede passagem. As palavras ganharam o alvará de soltura. Meu habeas corpus para uma nova vida ao lado delas também foi a minha mudança de endereço. Troquei a laje por uma casa na árvore. E a contemplação convidou a imaginação para morar junto.

Playlist desse post:


Follow the sun (Xavier Rudd)

Leve e suave (Lenine)

Gracias a la vida (Mercedes Sosa)

Lambada de serpente (Djavan)

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