top of page

Preciso falar sobre o medo


Escuro dentro, mas luz lá fora. Em Alagoas.

O medo é companheiro. Não digo que é bom, mas hoje sei que não é de todo mau. Já me causou vertigem e desmaio, dores e arrepios. Abriu buracos profundos onde me enfiei sem saber se voltava à superfície – ou se ao menos a avistava. Por vezes, me seduziu; noutras, me enredou em novelos espessos, mantas pesadas, me jogou em esconderijos secretos.

Tive medo do escuro, de gente, de mato, da noite, de solidão. Tive medo de ganhar competições e de ser a última; de tirar zero ou dez. Tive medo de ser tirada para dançar, de ter que dizer não ou de querer dizer sim. Tive medo de transar, de engravidar, de parir, de criar um filho. Tive medo de ir e de vir; de ficar e de partir; de mandar e de servir; de contar e de calar. Tive medo de existir, de pensar, de viver.

Tive e tenho medo de barata, de raios e trovões, de altura, de ficar trancada no banheiro, de multidão e da insanidade a que estamos sujeitos. De matar alguém no trânsito, de morrer sem um porquê. De perder gente querida; de não dar conta do tamanho da minha saudade; do escuro do meu luto. Tive e tenho medo de redes sociais. De tantas outras coisas que nem dou conta de listar.

Mas posso dizer que, em muitos momentos, dou a mão ao medo e o levo comigo. Para mim, ele não é o antônimo perfeito da coragem, não é o freio sem controle que evita meus voos ou prende minhas asas. É apenas algo que me acompanha como condição de vida, presente e insistente. Eu o reconheço, aceito e vamos, juntos, em frente.

Vou lhes contar uma coisa: muitas pessoas têm medo. Muitas mesmo. E são muitos medos. Mas elas não contam isso para você, nem para mim. Elas sorriem autoconfiantes para as fotos. Falam com propriedade sobre seus planos. Pensam nas viagens e nos destinos mais incríveis, pitorescos e desafiadores. Praticam os esportes mais radicais. Mas, pode ter certeza, elas cultivam seus medos. Regam com os velhos conhecidos adubos da vida, como ansiedade, incerteza, insegurança, desamor.

Ter medo é melhor do que ter vazio. Do que não ter histórias para contar. Do que não se permitir a desafios. O medo te dá uma direção. Pode ser uma rota de fuga ou a visão da trincheira que você vai enfrentar logo ali. Ele te protege ou de te desafia. Para mim, tem sido um guia. Porque sempre acompanha, porque me mostra que é preciso, às vezes, respeitar limites, seja do corpo, seja da alma. Sabe o cajado do Caminho de Santiago, a borracha do tênis que te segura na trilha, o bote salva-vidas, a mão do melhor amigo, o colo da mãe, o abraço do grande amor? Sim, ele pode ser isso também – algo que te traz segurança.

Não escrevo sobre o medo à toa. Tenho pensado muito nele. E há algum tempo. Desde que decidi viver uma transformação profissional, que acabou se tornando uma mudança pessoal e familiar muito profunda, tenho refletido sobre o medo que acompanha as decisões. Antes, durante ou depois de uma virada de vida, quem nunca cedeu àquele temor quase incontrolável? Faz parte.

Mas folgo em saber que, apesar de às vezes tão inoportuno, ele segue apenas companheiro porque não evita o que não deve ser evitado. O risco de qualquer mudança é real, ainda que calculado. Deixar de tentar, por qualquer motivo, é simplesmente ignorar a enorme necessidade que temos em vida de seguir em frente, corrigindo rumos, buscando sentidos e respeitando nossas vontades. Feliz daquele que afaga seus piores sentimentos e os transforma em companheiros. Todo dia, quando o medo se aproxima, digo para ele: vem comigo ou me larga de vez. Porque deixar de ir para onde eu quiser e quando eu quiser não está nos planos.

Daqui a alguns dias, estarei comemorando um ano do projeto Se Essa Rua Fosse Minha, um food truck amoroso que trafega por Brasília e pelos caminhos que precisamos desbravar – eu e meu marido – para seguir adiante como empreendedora. Também estarei embarcando em um novo projeto, o Gentil – Café, Pausa & Prosa, com minhas irmãs, previsto para inaugurar no fim deste mês ou início do próximo. Nem preciso dizer o tamanho do medo que me acompanha. Mas, de novo, ele vem comigo e vai ter de se submeter às nossas vantagens.

Trilha sonora deste post:

As playlist dos meus negócios – segue lá

Gentil: café, pausa & prosa

Se essa rua fosse minha

Posts Destacados 
Posts Recentes 
Siga
  • Facebook do blog
  • Instagram Social Icon
  • Twitter:  Long Shadow
Me conecto

A vida sem crachá

El Pais

Piauí

Agência Lupa

Procure por Tags

© 2023 por Fazendo Barulho. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page