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Seis meses a bordo do Se Essa Rua Fosse Minha


Foto de Luís Tajes no Buraco do Jazz

Foi um tempo de conhecimento e reconhecimento. Do carro, uma Ducato reformada para abrigar uma cozinha bem equipada; das ruas, um ambiente nem sempre acolhedor, mas riquíssimo em referências; de um negócio que surpreende a cada dia. Não podemos mentir, nem que quiséssemos enganar a nós mesmos – e quando digo nós, falo de mim e do meu marido, parceiro nessa empreitada. Nada saiu bem como planejamos, nem lindo, nem maravilhoso, como cabia nos nossos sonhos mais românticos. Mas nada saiu como uma catástrofe irremediável. Estamos bem, embora cansados e até meio perdidos. Essa é nossa verdade.

Começamos no período chuvoso, na primeira chuva pós-seca, caiu até granizo. Era 1º de outubro de 2017. Na bagagem, esperança de um futuro promissor, apesar de todos os avisos de que o mar de food trucks não estava bom para novos peixinhos. A pescaria por clientes na chuva é realmente insana. Os tubarões do mercado também sentem, aliás já vêm sentindo há algum tempo. Houve um período em que lucraram um bocado, época em que os food trucks eram uma novidade vistosa e atrativa. Passou esse tempo - e o que fazer com o monte de carro que ficou nas ruas?

Veteranos dão seus jeitos. Delivery, lojas, diversificação do negócio, mudança de pontos, eventos. Os novatos tentam aprender mais, maturar seu tempo de estrada; seguem tomando chuvas e temporais; torcem por dias melhores e os bons se ajudam, além de chorar e sorrir juntos.

Quando comecei este blog, minha ideia era escrever duas vezes por semana textos que pudessem agradar, mas também oferecer informação de qualidade sobre alguém que deixa um emprego fixo para se tornar empreendedora. E, entre um e outro, relatos que contassem sobre as emoções nesse percurso, que pudessem tranquilizar corações que perseguem mudança de vida.

Mas o fato é que o tempo para escrever anda escasso. Também não posso dizer que minha experiência em ser dona do próprio espaço e tempo me credencia a partilhar lições. No máximo, as vivências, que são de fato enriquecedoras. Vivemos um período em que se alternam sentimentos de desânimo e renovação. São ondas e marolas, altos e baixos.

Continuamos penando com burocracia e dificuldades para legalizar uma atividade que carece de melhor regulamentação. Continuamos no processo de conquistar clientes, seguidores. Com alegria, percebemos que muitos se tornam fiéis à primeira mordida. Continuamos a acreditar que o food truck Se essa rua fosse minha é um lindo projeto de vida e de parceria, que leva para as ruas sonhos, mensagens para uma convivência melhor e lanches bem gostosos, feitos com carinho, muito trabalho e cuidado.

Nas ruas, sentimos acolhimento e generosidade; também desdém, olhares invejosos e cara de pau. Aprendemos que educação nada tem a ver com instrução, nem com conta bancária ou local de residência. Sabemos que o fim do mês é tempo de segurar os gastos e vender pouco e que véspera de feriado vale tudo. Que, em Vicente Pires, comprando ou não, as pessoas passam e lhe dão boa noite; que no Sudoeste o cliente prefere crédito sempre; que, em Águas Claras, o povo ama food truck e há disputa eterna por espaço.

Acontece de tudo nas avenidas largas de Brasília, nos estacionamentos de parques, nos grandes eventos. Há gente linda de morrer que te dá muitos motivos para amar o que está fazendo, assim como os opostos de postura pouco democrática e amistosa. A concorrência não é o pior; talvez, algumas vezes, seja o melhor. Trocamos lanches, alegrias e lamentos. Desconfio que faremos amizades verdadeiras.

O nosso food truck também tem um site com perfis de outros empreendedores de rua. Imaginei que seria atualizado ao menos duas vezes por semana. Meu plano novamente se dissolveu no mar de boas intenções. Simplesmente não conseguimos. Mas tivemos o privilégio de contar lindas e boas histórias. São pessoas grandes que optam por uma vida às vezes penosa para remediar o desemprego, para não depender de patrão, para fazer seus horários. Ouvi histórias de demitidos da Lava-Jato, de quem cozinha por puro prazer, de quem promove piqueniques e festas ao ar livre, de quem largou filhos e o estado natal para tentar a vida por essas bandas, gente que vive do difícil mundo dos eventos. E continuaremos contando essas histórias ainda que só de vez em quando.

Ao mesmo tempo, segui fazendo trabalhos de jornalismo como freelancer, principalmente para o site Projeto Draft, o primeiro lugar que me acolheu sem nem me conhecer. Tive oportunidades maravilhosas de entrevistar editores importantes e jornalistas que se tornaram best-sellers com a primeira obra. Quase morri de alegria. Eles pareciam estar descrevendo meus sonhos de um dia escrever um livro. Também conheci empreendedores de Brasília e do Brasil, entendi melhor de start ups, inovação, disrupção e de um mundo que eu não conhecia, nem dentro nem fora do jornalismo.

Tenho também o grande desafio de administrar meu próprio tempo, meu sono, meu cansaço. Decidir se trabalhar de pijama é válido; se escrever de madrugada é para mim ou não. Sentir saudades de coisas bobas como as unhas grandes e pintadas de vermelho. Rezar muito, pedir por equilíbrio, serenidade e luz na minha travessia. Aprendi a fazer mais coisas e com maior velocidade. Estou aprendendo a lidar com consumidores de comida, que muitas vezes, vou te falar, não diferem em nada de consumidores de informação.

Odeio não ter salário no fim do mês, mas continuo amando pagar as minhas contas no dia certo (não sei até quando – risos). A vida, sem um emprego formal e fixo, não é mais fácil, mas é diferente e, confesso, muito excitante. As manhãs são diferentes; as noites também; as tardes, idem. Um dia não é igual ao outro. Cada noite é única. Mas poder assistir a um pôr do sol, dormir até mais tarde e aprender coisas novas é de fato uma experiência emocionante – e que reserva momentos de puro estresse.

A chuva tá passando, a novidade está se diluindo no tempo, já não recebo tanto a visita de amigos, mas os antigos te ligam, mandam lembranças e falam das suas saudades, que são tantas quanto as minhas. A família vai bem, obrigada, tentando se adaptar à nova rotina. Quando tudo fica meio tenso, a gente finge que problema mora longe, conversa sobre o que faria se ganhássemos na mega e imagina o mar que nos espera lá na frente. Sem sonho não há vida. E torná-los reais de fato não tem preço.

Trilha sonora deste post

(viciada das vozes femininas, aveludadas e fortes)

Tiê

Mallu Magalhães

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Zaz

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