O ano em que vivi perigosamente
Não escalei montanhas altas, nem saltei de paraquedas. Não mergulhei nas profundezas do mar, nem fiquei à deriva. Não fiz uma travessia no deserto, não fui assaltada, nem tive problema de saúde. Ainda assim, posso dizer que 2017 me apresentou a vida no limiar; o dia a dia contornado pelas linhas finas da emoção; o acordar e o dormir ventilados por palavras internas desafiadoras, motivadoras, ora calmantes, ora provocadoras da minha sanidade. Fui e voltei diversas vezes ao inferno e ao paraíso. E posso dizer que ainda não conheço nenhum desses dois lugares. Talvez apenas porque só existam na imaginação.
Em fevereiro, vai fazer um ano que parti para o mar com uma ideia fixa na cabeça: tomar coragem e deixar o emprego. Não fosse um rompimento abrupto, eu jamais conseguiria desenhar um plano de vida que me trouxesse a certeza de que aquela redação de jornal não era o único local feito para o meu trabalho e meu esforço; que eu teria uma vida útil, produtiva, viável e sustentável fora dali. Tentar alternativas havia se tornado primordial e urgente para mim. Fiz o que precisei. Saí do emprego sem destino, vazia e completa ao mesmo tempo. Não me impus prazos, nem forcei ideias, mas sabia que precisava logo me aprumar e arrumar um norte. Me deixei levar pelo que parecia mais razoável, natural, alegre, desafiador.
Fiz este blog aqui para compartilhar esta caminhada rumo ao novo e alimentar um espírito inquieto, que insiste em prosear comigo ininterruptamente. Eu, que não consigo emendar uma conversa muito longa com ninguém, preciso negociar silêncios com este ser que me habita. Meus textos foram como respirações profundas e agradeço muitíssimo a quem se atreveu a ler e a seguir. Nem sabem o quanto há de prazer em ser lida, ouvida, comentada... Hoje, essa é a minha maior vaidade.
A ideia era fazer atualizações semanais, contando a minha experiência a bordo do food truck Se Essa Rua Fosse Minha, um negócio compartilhado com o marido e feito com tanto cuidado e amor desde o primeiro momento. Mas eis que essa vivência é de tal intensidade que, não mais que de repente, me vi sem tempo sequer para respirar.
Espero encontrar brechas para alimentar esse espaço aqui em 2018, o que significa também dar corda para minha verdadeira vocação. Nunca se deve cometer o pecado do distanciamento daquilo é próprio e natural de nosso ser. É o mesmo que tirar um pouco da própria vida; matar o que lhe dá prazer. Pensei em prometer aos santos, em me comprometer profundamente com a escrita, marcando horários e dias para um treino programado. Sei que funciona. Mas lá no íntimo a única decisão que consegui tomar neste fim de ano foi: não prometa nada.
Promessa pressupõe cobrança. Cobrança me dá arrepios. Sou mestre em sabotar listas de resoluções e não quero ser pouco indulgente comigo mesma. Embora as resoluções sejam repletas de boas intenções, me levam irremediavelmente à decepção. Ainda assim, faço e guardo, porque gosto de ler sobre as minhas aspirações; elas me ajudam a conhecer quem fui. Ano a ano, as listas ficam mais generosas. Hoje, só teria coisas assim: respirar pausadamente; contar até 10 antes de uma resposta mal-educada; ouvir mais música; ler mais livros; ficar com a família; viajar.
Obviamente, faltou aí o principal: sobreviver. Pensei em voltar à taróloga que me disse quando saí do emprego: “Seus filhos não vão passar fome”. Com as reservas financeiras minguando, é o único mantra que me satisfaz. Se 2017 me deu coragem; 2018 precisa me dar outros atributos, como criatividade, para vencer a crise.
Hoje, sou uma empreendedora em gestação. Eu e meu marido temos um negócio de apenas 3 meses, fora os seis de preparativos. Quase recém-nascida, nossa marca foi lançada num momento de crise para os food trucks. Na crista da onda, vários ganharam muito dinheiro e chamaram a atenção dos comerciantes, que pressionaram o governo para elaborar uma legislação que, se seguida, mata o segmento. Acreditamos, no entanto, que os fortes sobreviverão, como em qualquer negócio – ou talvez, reformulando, só os hambúrgueres sobreviverão. Vai saber...
Preciso confessar que fomos demasiadamente otimistas. Nada como o tempo na rua para injetar realismo no dia a dia. As expectativas ferem de morte os resultados. Ainda que eles sejam bons para um início (e os nossos resultados são), quem deseja o bom? Queríamos o ótimo, o excelente, o divino e maravilhoso. É humano querer, mas desumano insistir em querências desmedidas. Então, vamos nos contentar com os ganhos relativos, até porque não penso, de verdade, nas perdas.
Ganhei a beleza da imprevisibilidade dos dias e das noites, que podem ser muito surpreendentes às vezes; ganhei visitas inesperadas dos amigos; ganhei torcida do tamanho de um time de futebol de várzea, mas aguerrida demais; ganhei liberdade. Sei também que ganhei experiência de vida e humildade, dois presentes que me levam à evolução como ser humano.
Aprendi que posso aprender – qualquer coisa em qualquer tempo de vida. Aprendi que posso me desdobrar, me refazer, me recompor quantas e quantas vezes forem necessárias. Ainda estou aprendendo que empreender no Brasil exige mais do que coragem, mais do que dinheiro, mais do que vontade. Exige calma, persistência, paciência, resiliência. Exige de você o que não tem e o que não pode comprar. É preciso buscar em algum lugar. E é lá que preciso ir.
Aqui e ali, busco referências, exemplos. Busco histórias, como algumas que escrevi para o site do Se essa rua..., que anda mais parado do que eu gostaria. É difícil suportar e entender que as suas ideias podem andar em marcha-lenta. Mas há muitas outras coisas mais difíceis: tentar acertar a previsão do tempo, confiar na sorte, sorrir para o imponderável, conservar a serenidade.
Posso dizer que sobrevivi muito bem, obrigada a um fim de ano sem décimo terceiro, sem comprar um milhão de presentes. Posso dizer que certamente sobreviverei a um janeiro sem praia. Mas não posso dizer que sobrevivo sem saudade, sem a miragem de um mar lindo, sem um capetinha soprando aos ouvidos: faz uma loucura e compra a passagem. O que dá para garantir, com toda a certeza do universo, é que 2017 não me trouxe arrependimento. Se eu tinha um medo, era esse. Não o tenho mais. O que 2018 me reserva? Não sei, mas quem haverá de saber? Vou consumi-lo vorazmente. Espero apenas saciedade.
Desejo um 2018 leve, livre de amarras e pleno de aventuras. Desejo saúde e paz. Desejo união e fé. Desejo família e amigos. Não só para mim, mas para todos vocês. Obrigada pela companhia!
E me despeço com um poema que fiz em 2009, mas que conversa com meu atual momento.
Colheita
Pedi licença à saudade do que não tenho
Ausentei-me dela para buscar de verdade o que falta
Sobram planos, emergem as vontades
Chega da não-realidade
Chega de viver de ideias
Hora de colher
Hora de suprir desejos
Vou em busca deles
Neste ano, não quero semear ao vento
Quero o cansaço, o esforço, o sol quente na nuca
e, por fim, colher o colchão para deitar