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Nem toda obra é prima: obrigada, Leminski!

Pego carona nos versos de Paulo Leminski. Lê comigo.

“nem toda hora

é obra

nem toda obra

é prima

algumas são mães

outras irmãs

algumas

clima”

Lembrei-me dele porque marquei a página quando li e tenho o hábito de, vez em quando, revisitar os livros. Porque eles tornam a me dizer coisas bonitas. Porque têm alma e mandam recados. Reencontrei esses versos de Leminski ao mesmo tempo em que cheguei a uma feliz conclusão. Às vezes, faço as coisas não para provar o quanto sou boa naquilo. Mas para me convencer de que sou ruim mesmo. Pronto: não nasci para aquilo; não veio de herança, impresso no meu código genético; não tenho esse talento. É simples, o que não quer dizer que seja fácil.

Conformar-se seria uma redenção. Mas lidar com as próprias incapacidades é penoso. Pelo menos para mim, que cresci vendo minha mãe, Sara, fazer centenas de brigadeiros milimetricamente do mesmo tamanho, montando árvores de Natal com laços perfeitamente simétricos e arrumando as toalhas em rolinhos que se encaixavam uns nos outros como se tivessem combinado um abraço. Tento fazer tudo igual até hoje. Sem sucesso. Acabo apelando e ela faz para mim. Entendo o princípio da coisa, copio, planejo, mas na hora falta aquele acabamento zeloso, a sensação de orgulho, o resultado digno de foto. Já li dois livros de Mari Kondo sobre organização e a prática se traduz numa incógnita.

Depois que saí do emprego, prometi a mim mesma que iria treinar minhas habilidades manuais. Primeiro, porque acredito ser uma espécie de meditação. O pensar é torturante. Já o fazer é terapêutico; exige concentração total. Não dá para ter muitos devaneios com uma agulha ou um estilete na mão. Segundo, porque sempre culpei o emprego por não ter tempo para me dedicar a qualquer coisa que não fosse o feitio diário de um jornal. Dizer que é uma mentira total seria injusto comigo, mas é uma inverdade. Hoje sei que o querer se impõe, é forte, soberano. Você arruma jeito, tempo, dinheiro, cara de pau, vai lá e faz.

Só tem um probleminha: eu não tenho habilidades manuais, só tenho a vontade tê-las. E o desejo me persegue, não passa. O jeito é me embrenhar nas tentativas, prometendo a mim mesma que transformarei frustração em experiência. Até que funcionou recentemente. No último fim de semana, fiz um curso de lettering (que não é caligrafia, viu gente?). Se você não sabe o que é, olhe as plaquinhas fofas, as paredes de cafés, restaurantes e de uma infinidade de lugares que estampam composições lindas, com letras desenhadas, estilizadas, muitas vezes com ilustrações.

Como tenho afeição pelas palavras e a minha letra não é feia; como sempre amei canetas coloridas, lápis, giz, cadernos decorados; como quero usar no meu negócio e como eu cismei que me devia o contato com a artesania, me enfiei durante um fim de semana na oficina de lettering com giz, promovida pela Pupila Experiências Criativas, ministrado pela professora Raquel Câmara.

Amei. Foi divertido não seguir meus pensamentos renitentes e sem freios, que me levam o tempo todo a fazer contas e perguntas que eu não sei responder. Eu entendi a técnica, fiz meus esboços e tive imenso orgulho de mim mesma. Tudo estaria perfeito não fosse um detalhe. Temos companhia nesse mundo. O outro senta a seu lado, tromba com você no meio da rua e frequentemente faz o que você faz – só que melhor. Posso dar conta do meu resultado mediano, mas não vou negar que o retumbante sucesso de outrem às vezes soa meio sacanagem com a minha pessoa.

Pois bem. No curso de lettering, parecia que todos os meus colegas nasceram para fazer aquilo. Havia médica, arquiteto, artesãs, professoras, designers, etc... Uns com alguma experiência no negócio; outros, nem tanto. Mas considerei que ninguém tinha a minha falta de jeito para a coisa.

Terminei o segundo e último dia leve, levando o resultado do meu esforço debaixo do braço, com a sensação de dever comprido. Contudo... Sabe a nuvenzinha passeando só em cima da sua cabeça? Foi comigo até em casa. Eu ouvia música, mas a voz interna era alta: não ser a melhor, ok; mas precisava ser a pior? E olha que perfeccionismo não é uma característica que me pertence (vide minha parte no mural final do curso – meu pedacinho é o Bang! Bang!).

Fico imaginando o que vai ser de mim quando, enfim, conseguir a matrícula no curso de cerâmica. Não sei de onde veio essa ideia. Tenho a suspeita que deriva daquela clássica cena de Ghost, Do outro lado da vida. Demi Moore e Patrick Swayze em doce cena romântica. Tenho certeza que você lembra, vai. Mãos lambuzadas, aquela coisa toda... You Tube refresca sua memória abaixo:

Ninguém pode me culpar. Bonito de ver. Mas creio mesmo que a minha intenção extrapola qualquer fantasia sexual. Imagino ser boa a sensação do movimento, do contato com o barro. Vê-lo tomando forma, ganhando relevos, criando contornos. Pode-se encarar como uma metáfora divertida da vida. O problema é que tem um custo e um sofrimento embutidos nesse processo de se convencer que não dá pra coisa... O outro problema é que passa a dorzinha e fica a experiência, o que me faz seguir tentando e tentando...

Com a maquiagem, por exemplo, foi menos sofrido. Foi o primeiro curso que quis fazer quando saí do jornal. Passando os dedos pelo Instagram, me deparei com um do tamanho da minha condição de desempregada. E ainda podia ser em dupla. Fui com minha filha mais nova, a Paula. Aos 14 anos, ela ama maquiagem tanto quanto eu. Uma profissional havia de nos ensinar melhor que o espelho ou o You tube.

Descobri que, apesar de tantas matérias editadas sobre isso, nunca soube bem a diferença entre os pincéis, que as tonalidades dos corretivos vão me desafiar para sempre, que a dobra da minha pálpebra só tem solução com plástica e que há disfarces que pioram. Detestei também saber que brilho, no meu caso, agrava a situação. “Use sombra opaca”, decretou a professora Raissa Duarte, para meu lamento. No teste final, o olho preto esfumado, almejado, sonhado, tão querido, saiu. Mas não daquele jeito que eu desenhei na cabeça e vi no Instagram.

Selfie depois da aula de maquiagem

Os cursinhos me ensinaram que o grande problema é o excesso de expectativa. Não dá para esperar demais, nem querer resultados espetaculares de algo que não lhe é familiar. Também, convenhamos, não dá para se declarar especialista e sair arrotando conhecimento com uma aula de fim de semana (e está cheio de gente assim).

Depois de cada tentativa frustrada de ser boa no que sou ruim, fico um tempo em modo pause. Recorro a alguns aprendizados não manuais. Fiz, por exemplo, uma iniciação on-line ao fact-checking (ou checagem de fatos), com Cristina Tardáguila, da Agência Lupa (https://journalismcourses.org/). Um jeito de fazer jornalismo que fez muito sentido para mim. Também conheci um pouquinho de design thinking (http://cursos.trampolim.academy/), que não fazia ideia do que era, mas batia com o conceito em qualquer lugar para onde me virava nas pesquisas sobre empreendedorismo. Trata-se de uma ferramenta, um modelo, uma abordagem, como queiram, bem focado em projetos inovadores. Vale a pena conhecer.

Depois de exercitar neurônios, com aulas on-line, é comum voltar a pensar em fugir da casinha. Lá na infância, já quis cantar, dançar, ser artista. Foi um querer muito íntimo e sempre represado. Só de pensar em um palco, o meu corpo se encolhe. Voltava e ainda volto para a concha, respiro fundo e, de vez em quando, boto a cabeça para fora esperando que a coragem saia junto.

Me lembro até hoje das competições de natação, quando torcia para não vencer e ter que subir no pódio mais alto. Sempre me senti acomodada no segundo lugar. Isso não significa conforto. É ridículo, mas é muito próprio do tímido. Talvez por isso quando bate uma vontade louca, eu duvide dela. Pode ser uma autossabotagem, para provar que meu lugar é ali, no meião, bem longe da dianteira. Pode ser também que eu queira simplesmente desafiar a pessoa que sempre fui. Prefiro acreditar nisso e acreditar em Leminski: nem toda obra é prima.

Trilha sonora do post

Roubado da professora Raquel Câmara, durante o curso:

The Cure e Beatles

Frank Sinatra (My Way)

Em casa, escrevendo:

Natalie Cole, Diana Krall, Sara Vaughan, Louis Armstrong e por aí vai

(Meu Daily Mix 3, segundo o Spotify)

E, claro:

Unchained Melody (com Righteous Brothers), o tema de Ghost

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