top of page

Músicas e livros, a autoajuda que eu quis para mim


Boiando no mar quente de Cartagena. Foto: Luís Tajes

A melhor música para mim sempre foi o silêncio - e os barulhinhos bons que ele proporciona. Como ouvir, por exemplo, a natureza. Sabe quando estamos boiando num mar quentinho e calmo, fechamos os olhos e ficamos ao sabor do vento, só escutando? Gosto de pensar que aquela é a canção que Deus fez para mim. Em momentos assim, fortaleço a minha fé. Muito mais do que em igrejas ou templos, embora me sinta bem neles. Isso, para mim, tem um nome: conexão. Comigo mesma, com o universo ao meu redor.

A música que não é silêncio, feita de acordes, cordas, sopros e vozes, cumpre também essa função. Conecta emoções. Tipo: quando estava com preguiça extrema de caminhar dois dias atrás, veio a nova música dos Tribalistas e me pôs mais contente no prumo. Todo mundo tem sua trilha sonora escape ou mergulho. Ora para tirar da fossa; ora para abraçá-la de vez; para reforçar a alegria ou para sair cantando bem alto.

Não desejo discutir minhas preferências musicais. Sou bem pobrinha de repertório e vivo pedindo atualizações para os adolescentes de casa. Minha filha mais nova é pop puro (sabe tudo que está bombando), funk na veia. Meu filho do meio é exigente ao extremo, foi talhado a só ouvir o que tem qualidade, me mostrou as mais lindas versões. A mais velha é uma mistura dos dois, escuta tudo, mas o axé tá no sangue. Logo, nessa seara, não há muito debate. Cada um ouve o que quer. Tem ouvido pra toda melodia.

Minha intenção aqui é dizer que estou mais musical. Não dá para falar que o desemprego refinou meu gosto ou me transformou numa pessoa que frequenta sebos de vinis em busca de raridades. O que posso garantir é que a música acalentou meu espírito perturbado muitas vezes nos últimos meses. Enquanto escrevia minhas ideias e toca um Frank Sinatra majestoso, batia uma calma... Por vezes, fechava os olhos, lembrando de todos os momentos em que chorei no carro ouvindo My Way bem alto. Essa música me emociona. Choro até hoje com ela, só por ela, nem precisa de tristeza, nem de alegria.

Bob Dylan, o doce endiabrado, incendiou meu coração, me transportando para uma estrada rumo ao mar, um luau na praia onde nunca estive. Amy Winehouse testou minha fé no mundo e me fez parar só para ouvi-la – fica mais um pouco, fica. E Bethânia fulminou meus miolos, me fazendo acreditar que há uma força desconhecida e sobrenatural em algum lugar – o que ela me disse com sua música? “Vai, minha filha, se é para mudar, muda com vontade”. Ou faz ou não faz, sem meio termo.

O Spotify me apresentou um bocado de gente e de música. Com suas descobertas da semana me tirou na mesmice. Eu agradeço pagando. Agradeço mais ao meu amigo Breno, que me fez acreditar que não valia a pena consertar o iPOD e me conduziu ao streaming, bem tardiamente, bem depois que todo mundo já era adepto. Minha playlist mais organizadinha é “Ora, direis, ouvir estrelas”. Classicão internacional, do rock ao reggae. Passa lá.

Aos poucos, vou construindo a trilha sonora do meu processo de mudança. Pretendo compartilhar nos próximos posts, a cada um deles. O desemprego foi pra mim também uma redescoberta da música como companhia, um som que preenche a ausência das risadas dos meus colegas, do telefone tocando, da porta batendo, da TV berrando, do grito de “para tudo” porque alguém morreu ou um barco virou no lago.

Uma redação de jornal pode ser bem barulhenta. E hoje, com o silêncio e a música como maiores parceiros, quando fecho os olhos, ouço lá longe alguém pronunciando meu nome, perguntando alguma coisa, pedindo orientação. Passei até a gostar de áudios no WhatsApp. Usando com moderação, a voz tem seu valor.

Também fui Alice, a do País das Maravilhas

Logo que saí do emprego, o primeiro livro que me parou nas mãos foi um livro de coaching. Uma maravilha que te promete poder e glória – e dinheiro, claro - para todo o sempre se você for resiliente, submisso a regras que cria para si mesmo, como parar de reclamar, por exemplo, etc e tal. Obviamente esta é a minha interpretação contaminada por antipatia ao método. O exemplar é de um guru de responsa, daqueles que dá um nozinho no seu passado, tranca tudo numa gaveta, te coloca no rumo do sucesso absoluto. O que vai ser de você quando descobrir que boa parte das promessas são uma fraude, isso ninguém sabe ou não te conta.

Não conheço ninguém que passou por um processo de coaching e não saiu como se tivesse tomado uma injeção de esperança. Todo mundo sorrindo para um Deus novo recém-descoberto, chamado autoconfiança. Por isso, não posso dizer que não dá resultado. O problema é separar no meio da onda o peixe amigável do turbarão perigoso. Ou seja, é preciso escolher o profissional certo antes de se entregar. Não dá para sair por aí acreditando que alguém com um cursinho básico pode te conduzir a um lugar completamente seguro.

Da mesma forma, não dá para levar a sério um livro com texto tão ruim. Para mim, era lavagem cerebral com toques de literatura da pior qualidade. Pulei umas páginas, tentei outras e decidi que o guru não merecia meu tempo. Doída com a saída do emprego, sem vontade e sem dinheiro para investir em terapia, decidi que os livros me salvariam, mas não os de coaching. Decidi mergulhar.

Imagens de capa dos livros F de Falcão e Alfabeto da Sociedade Desorientada

Vamos a F de Falcão, de Helen Macdonald. (Uma escritora e historiadora, entre outras coisas, de luto pela morte do pai, que retoma a falcoaria e o desafio de treinar um açor)

“Em dois meses, não terei mais escritório, nem colegas, nem salário, nem casa. Tudo vai ser diferente. Porém, penso, tudo já está diferente. Quando Alice caiu no buraco do coelho e foi parar no País das Maravilhas, ela caiu tão devagar que conseguiu apanhar coisas nos armários e nas prateleiras, olhar com curiosidade os mapas e as fotografias que passavam por ela. Em meus três anos como professora em Cambridge, houve aulas, bibliotecas, reuniões acadêmicas, supervisões, entrevistas de admissão, madrugadas escrevendo artigos e dando notas para ensaios, e outras coisas embebidas no glamour da universidade: comer faisão à luz de velas na High Table, um salão exclusivo de Cambridge, enquanto pancadas de neve riscavam as vidraças das janelas, canções de Natal eram entoadas e vinho do Porto era servido, a prata reluzindo nas mesas envernizadas em tom escuro. Agora, de pé em um campo de críquete com um açor na mão, percebi que sempre estive caindo enquanto passava por essas coisas. Conseguia esticar a mão e tocá-las, apanhá-las das prateleiras e recolocá-las, mas não eram minhas. Nunca foram genuinamente minhas. Alice, ao cair, olhava para baixo, tentando identificar por onde estava indo, mas tudo lá embaixo era escuridão.”

Senti um tremor ao ler esse trecho. A sensação de luto ali presente tinha tudo a ver com o meu momento. Resisti bravamente aos incontáveis parágrafos e capítulos sobre falcoaria para encontrar o sentimento da escritora, tão pertencente ao meu universo. Agora, eu também era uma Alice, olhando e deixando passar o que sempre achei que era meu, embora nunca tenha sido.

Também busquei inspiração nos empreendedores. Daqueles que dão gosto de conhecer e que podem me direcionar ao novo sem qualquer enfado ou martírio.

A vida sem crachá, da jornalista Cláudia Giudice, demorou para chegar às minhas mãos, dada a minha ansiedade. Já havia lido o texto viral, com o mesmo nome, quando esbarrei de novo com o link dele nas minhas gavetas esquecidas do e-mail. O texto virou blog, que amei; virou livro, que devorei em dois dias. Com apetite de quem precisa ver que mudar faz todo sentido e pode dar certo.

Cláudia me levou pela mão por esse caminho, ainda tão sombrio e distante para mim. Além de contar como foi a transição do emprego de executiva de um grande grupo de comunicação para dona de uma pousada na Bahia, ela também dá dicas muito bacanas sobre a parte burocrática que todo empreendedor em potencial teima em ignorar. Eu sigo tentando aprender. Por causa de Cláudia, que o citou em um dos posts, reside hoje na minha cabeceira Achei que meu pai fosse Deus – e outras histórias verdadeiras da vida americana, de Paul Auster. Obrigada duas vezes, Cláudia.

Também li o Pense Simples, do Gustavo Caetano, dono da Samba Tech. Além de um case de sucesso brasileiro, o rapaz é um bom contador de histórias, inclusive da sua. Extraí dali algumas dicas bem valiosas. A melhor delas: o fracasso não é necessariamente ruim.

Voltando às profundezas, ataquei de Domenico de Masi, com o Alfabeto da Sociedade Desorientada. Quis este livro no momento em que soube dele. De vez em quando, abro e me delicio com a riqueza perturbadora dos nossos tempos. Logo no início, ele justificou meu desejo de tê-lo. Olha:

Trecho do Livro Alfabeto da Sociedade Desorientada, de Domenico de Masi

Aprendi com o pai do ócio criativo que vivemos uma época de aforismos, vide o Twitter. As frases curtas têm tanto valor hoje quanto teve para os filósofos. Me apeguei a este de Heráclito: “É na mudança que as coisas descansam”. No Twitter, fico com o filósofo José Simão, que mostra o Brasil da piada pronta – é o que ele é.

Domenico de Masi só não conseguiu me ensinar o poder de síntese, vide esse textão. Portanto, se venceu essas linhas e chegou até aqui agradeço imensamente. Escrevi com muito carinho.

Posts Destacados 
Posts Recentes 
Siga
  • Facebook do blog
  • Instagram Social Icon
  • Twitter:  Long Shadow
Me conecto

A vida sem crachá

El Pais

Piauí

Agência Lupa

Procure por Tags

© 2023 por Fazendo Barulho. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page