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O que aprendi com o desemprego – Parte 1


Uma mão segura o crachá da empresa Correio Braziliense. Imagem para ilustrar um post sobre a saída do emprego após 22 anos

NÃO TENHA TANTA PRESSA

Você, desempregado, acha que não pode esperar por nada, embora muitas vezes possa. O seu sentimento é de urgência, mesmo não sendo. O desejo é de ajuste, de organização, de encontrar um novo lugar de conforto, embora o velho já não fosse propriamente um colchão macio e cheiroso ou uma rede balançando ao vento. Mas... muita calma nessa hora.

É preciso viver o luto. Ele é tão necessário para a sua paz de espírito quanto a comida para o seu corpo. O sofrimento persegue quem pula etapas. Defini um exíguo tempo para viver essa transição. Uma semana. Como se fosse possível impor um limite para a mente teimosa, que serpenteia. Li artigos e mais artigos de pessoas que decidiram mudar de vida radicalmente. Todos, indiscriminadamente, sobretudo aqueles que estavam há muitos anos no mesmo emprego ou atividade, revelam sensações ambíguas. Comigo não seria diferente.

O sentimento é de liberdade, mas asas nem sempre levam a um lugar seguro. Sabe um penhasco? Com aquele mundão em volta? A sensação é que se pode voar, mas o medo é de cair. Vamos fingir então que resolver as coisas práticas, tipo organizar os papéis e listar as providências da nova vida, são antídotos contra o estresse da mudança. De fato, ajudam. A mim, deu a sensação de não estar parada no tempo e no espaço. Mas até hoje brinco na gangorra. Em um momento, me sinto leve; noutro, sonho que corro atrás de um crachá – só não precisa ser o mesmo.

CRIE UMA NOVA ROTINA, MAS EVITE COBRANÇAS

Depois de uma semana, ainda na ressaca da mudança, forjei uma rotina. Sempre gostei de agenda, listas, tarefas a cumprir, itens a riscar com canetinha vermelha. Isso ajuda a dar sentido aos dias, convida a noites tranquilas, que chegam com a sensação de dever cumprido.

No início, foi assim: levar as crianças à escola, seguir para a caminhada no parque, tomar um café e ler calmamente o jornal impresso, entrar nos sites para se informar. Em seguida, tarefas com tempo determinado. Ler e apagar e-mails, sempre fazer pelo menos dois contatos por dia, agradecer às assessorias pelo trabalho de tantos anos, pedir para sair de mailings, entrar numa rede social para fazer networking (vou fazer um post exclusivamente sobre isso), pesquisar sobre coaching. E sobretudo: vasculhar o mundo do jornalismo on-line, em busca de fagulhas de esperanças – algo ali havia de me importar, cativar, encantar, convidar a entrar.

Por um determinado momento, a rotina desenhada deu certo. De 7h às 18h, meu dia estava tomado. E foi muito bom assim. Também decidi que faria todos os check-ups de saúde, enquanto o plano de saúde estivesse obrigatoriamente atrelado a minha pessoa física. Voltei à dieta, seguindo à risca o cardápio. O primeiro mês me premiou. Não com resultados financeiros. Mas com quilos a menos, horas de sono a mais e uma vidinha bem organizada. (Pausa aqui para uma adversidade: ganhei a receita de um aparelho auditivo, mas ainda estou na fase da negação, confesso)

Foi importante seguir meu próprio script, mas preciso confessar: nos dois últimos meses, a coisa desandou. Uma viagem aqui, outra ali, todas curtas, mas excessivamente calóricas. Férias dos meninos. Excesso de ansiedade. A dieta foi para o espaço. Os quilos todos voltaram. A ansiedade chegou com força tamanho sobrenatural.

Agora, quatro meses depois do meu dia D, vou dar um spoiler de futuros posts aqui: sigo sem renda, sem emprego, com um plano em andamento e outros tantos na cabeça. E jurando: vou voltar à rotina, à dieta, às caminhadas... E, ao mesmo tempo, acreditando que é maravilhoso poder sair da ordem de vez em quando.

O GUICHÊ NÃO É A PORTA DO CÉU

Descobri que tenho medo de funcionário público. A burocracia é um dedo inquisidor, uma porta quase sempre fechada. Encarna em alguém com semblante sério a pedir um papel que você não tem, um carimbo que vai atrasar seus planos; um senão que te coloca no fim da fila. A sua vontade de resolver é pra ontem, mesmo com a consciência de que tudo tem seu tempo, seu prazo normal.

Como assim esse cidadão do outro lado do balcão ou da linha telefônica não te compreende? Do alto de sua arrogância de servidor concursado, bancário estável, atendente do INSS, enfim, de empregado, ele é o dono de uma condição que você simplesmente não tem. E, sim, ele te mete medo.

Você revisa os papéis, confere extratos, faz tudo isso para se certificar que está tudo certo e, mesmo assim, enquanto aguarda ser chamado por uma senha, sente uma insegurança absurda. É bem possível, afinal, que ele te diga (e isso acontece) que falta isso ou aquilo, que o site do governo está desatualizado, que tem de tirar milhões de cópias das páginas da carteira de trabalho, mas tudo bem, faz logo ali do lado, na loja de xerox – afinal, sempre tem uma do lado do cartório ou de qualquer repartição pública, reparou? E você percebe que existe um mercado paralelo que funciona e lucra exclusivamente quando tudo que deveria dar certo simplesmente dá errado.

Depois de cumprir a maioria dos trâmites burocráticos, se o dinheiro estiver na conta, se o pedido do seguro for deferido ou qualquer dessas etapas for cumprida, você sai tranquilo e aliviado. E agradece àquele sujeito como se ele fosse o segurança da porta do céu que deixou você entrar.

A FAXINA NECESSÁRIA

Às vezes, pensamos que é uma questão de tempo, mas na verdade é de espaço. Ao longo da vida, acumulamos uma série de luxos, mas também de lixos. Quando encerramos um ciclo, há uma necessidade premente de se livrar daquilo que sobra. Ao sair do meu emprego, havia 7 mil e-mails na minha caixa pessoal; um terço deles em negrito, gritando para mim “não lido”.

Meu ritual diário de libertação, purificação e desintoxicação incluía dar cabo dos e-mails. Levei uma semana. Alguns, nem li. Outros deletei porque eram sugestões de pauta que, agora, já não podia, nem queria avaliar. Mas houve alguns que devorei com certa sofreguidão. Reli bilhetes de amigos, entrei em muitos links importantes, que me convidavam a um mundo que não tive tempo de entrar no dia a dia atribulado da redação; vi que deixei infinitas perguntas sem respostas e assuntos pendentes.

Os e-mails antigos me levaram a caminhos importantes. Quando não me conduziram ao autoconhecimento, me levaram a saudades que não tinha, a lugares potencialmente promissores. Por causa de um deles, consegui o primeiro trabalho como freelancer. Foram só dois até hoje, mas festejei como uma foca batendo palminhas para o primeiro emprego.

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