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Dois desempregados, cinco filhos e muitas contas a pagar


Cristine Gentil e Luís Tajes em Bento Gonçalves na vinícola Almaúnica

No primeiro dia, chorei. Respondi e-mails, li mensagens e chorei. Tomei café, almocei, jantei e chorei. Fui a igreja, agradeci, pedi e chorei. Tanto que passei a negociar comigo mesmo uma trégua. Lembrava da minha primeira terapeuta, que num momento de depressão na vida, decretou: “Agora chega”. Tem hora para chorar e hora para secar as lágrimas. Ou era isso ou pareceria aos meus filhos o espelho do fracasso, do arrependimento ou qualquer coisa que o valha. Estava longe de ser essa a verdade. Mas não basta ser, tem de parecer.

Estava convicta de que a saída do meu emprego seria algo irremediavelmente bom. Só precisava deixar transparecer essa certeza. E calar a voz que teimava dentro de mim: E se não conseguir emprego? E se eu me arrepender? E se os amigos que fiz lá dentro sumirem? E se... Sigo sem a maioria das respostas, mas há algum tempo parei de fazer tantas perguntas e conjecturas. Tive uma ajuda especial.

Não me despedi sozinha do emprego. Meu marido, Luís Tajes, editor de fotografia do Correio, encerrou sua carreira no jornal no mesmo dia. Foi naquela redação que nos conhecemos, começamos a namorar e casamos. Partilhamos ali todo tipo de experiência profissional, as coisas boas e os tempos difíceis. Portanto, quando a porta da rua foi aberta, o caminho a seguir só fazia sentido se fosse trilhado a dois. Parecia assim, tanto para mim quanto para ele. Do contrário, haveria um vazio difícil de ser preenchido.

Recomeçar juntos foi uma aposta arriscada, mas nunca foi um blefe. Havia uma certeza de que seria melhor assim. Mandamos ao mesmo tempo nossa carta de despedida. A minha, chorosa e dramática, bem triste até. A dele, mais contida e sintética, sem arroubos. Cada um sofreu esse momento a seu modo. Mas não posso deixar de dizer que o colo foi ele.

Ele é dessas pessoas que injeta otimismo na própria insegurança. É o remédio que conhece e confia. Repetia a cada instante com paciência: “Vai dar certo”. As contas a pagar, a dívida do apartamento, o plano de saúde dos filhos, as viagens que tanto amamos... Tudo era motivo de preocupação para mim. Nada era razão para desespero para ele. Aos poucos, suas palavras surtiram um efeito calmante.

De imediato, ele cuidou das providências burocráticas. Transferência da linha telefônica, exame demissional, plano de saúde, sindicato, detalhes da rescisão, seguro desemprego. Enquanto isso, eu ouvia a gravação da minha consulta com a taróloga: “Seus filhos não vão passar forme”. Decidi acreditar.

Feitas as contas, deu para amortizar um pouco a dívida do apartamento e garantir nossa sobrevivência por alguns meses, ainda que nossa vontade fosse um período sabático em algum lugar lindo do mundo. Não nos demos a esse luxo. Mas perseguimos outros tantos. Dentre eles, o de buscar sentido numa nova ocupação.

Trabalhar juntos ou não? Eis a questão que logo se impôs. Tajes teve uma bela carreira como repórter fotográfico, fez grandes coberturas, passou por redações em diferentes capitais. Sabia da dificuldade de recolocação no mercado. Eu só tive um emprego na vida, embora tenha me permitido exercer muitas funções. Se ele estava certo de que o futuro lhe convidava para um novo desafio, eu sentia que ainda faltava algo a fazer na minha profissão. Começamos a traçar planos diferentes: ele, num comércio; eu, num projeto jornalístico on-line. Com a promessa de um apoio mútuo.

Enquanto ele pesquisava para seu negócio, um food truck, eu mergulhei no universo digital do jornalismo. Listei projetos, tentei contatos, pesquisei viabilidades. No fim, quanto mais pesquisava, mais me distanciava das ideias originais, hoje natimortas numa gaveta do word. Quem sabe um dia...

O fato é que nos acostumamos a trabalhar juntos, a pensar de forma conjunta na solução dos problemas, a nos envolver profissionalmente. Funcionamos assim. Aos poucos, minha ideia de negócio foi se aproximando da dele – ainda que inicialmente as duas coisas pouco conversassem. Recuperamos um sonho antigo de unir jornalismo, ainda que não o convencional, com um café. Adaptamos num novo projeto, que logo apresentaremos por aqui. Casamos os sonhos. Vai dar certo, repito com ele.

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